No Inverno, fechava o café sempre por volta das 10
horas. Aparecia um ou outro para tomar a bica e dar dois dedos de conversa
depois do jantar, mas era cada vez mais raro. Naquele bairro, as pessoas
ficavam em casa à noite. Era gente que se levantava cedo para trabalhar ou
então eram idosos que já não se davam a essas frescuras de saídas fora de
horas.
Naquela sexta-feira, porém, o café estava
praticamente cheio. Pelo que Júlia conseguiu perceber, eram todos familiares,
ou amigos, ou amigos de familiares duma senhora que tinha completado 90 anos e
toda esta gente lhe tinha feito a surpresa de vir visitá-la. Estavam agora de
abalada, cada um para seu destino, e um cafezinho vinha mesmo a calhar para a
viagem. Aproveitavam para pôr a conversa em dia, saber as últimas novidades de
cada um. Afinal, todos sabemos que há encontros que só se repetem em casamentos
ou funerais.
Já passava das 11 horas, quando Júlia conseguiu
finalmente fechar a porta e pendurar o letreiro “Encerrado”. Agora ainda era
preciso cumprir aquele ritual de arrumar as mesas e as cadeiras, quatro para
cada mesa, retirar as chávenas e os pires e os papéis, meter a loiça na
máquina, deixar tudo mais ou menos encaminhado para que, quando a Tânia
chegasse de manhã, pudesse abrir com o mínimo de demora. Só não teve paciência
para passar o chão… “amanhã! … já é tarde! …”
Finalmente fechou as luzes e a porta. Não chovia, mas estava frio e uma brisa cortante. Levantou a gola do casaco, apertou mais o cachecol e pôs-se a caminho de casa. Não era longe, fazia geralmente o caminho a pé. Desta vez, era só mais tarde que o habitual. Na rua, não se via vivalma… passava um carro ou outro… ouviam-se os passos de Júlia no passeio…
Soaram nitidamente as badaladas duma qualquer torre
de igreja… meia-noite!... Nesse momento Júlia parou e olhou em todas as
direcções como se esperasse qualquer coisa… “se ao menos estivesse em Paris!...“, pensou.
écriture sensible et belle Ana ... P.
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